Estevam Moura nasceu no dia 3 de agosto de 1907, no arraial de Santo Estevão do Jacuípe, hoje, município de Santo Estevão. Era o quarto dos cinco filhos do comerciante João Pedreira Moura e Maria Minervina Carvalho Moura (Dona Vida), que exercia o ofício de costureira, do qual retirava o sustento dos filhos que criou com dignidade, pois o seu esposo faleceu quando Estevam tinha apenas três anos de idade.
Desde os primeiros anos, Estevam já exibia sinais daquela que seria a sua grande vocação, a música. Era comum vê-lo tocando flautas feitas de galhos de mamoeiro e, mais tarde, descobriu que de um tosco instrumento de origem indígena, fabricado com barro cozido, a flauta ocarina, comumente vendido nas feiras-livres de sua cidade, poderia extrair um som melodioso. Não sabia ele, naquela época, que um dia algum músico criativo e talentoso viria a compor peças musicais com este instrumento. Mas foi com estes mesmos instrumentos que Estevam já mostrava talento e inclinação para a música e, com eles, acompanhava os animados desfiles dos zabumdeiros pelas ruas. Aos sete anos, ingressou na escola pública local, onde se destacou como um dos melhores alunos da classe. Ao perceber a sua forte inclinação para a carreira musical, aliada a uma inegável inteligência e sensibilidade, a sua professora, Dona Francisca Simões, obteve de sua mãe o consentimento para colocá-lo na Filarmônica 26 de dezembro, que estava em formação e da qual ele veio posteriormente a ser o Regente, quando então ele compôs sua primeira obra: "Dobrado para Alício Cerqueira". É bom se ressaltar, que era comum entre os compositores de peças musicais para filarmônicas, e Estevam não fugia a esta regra, homenagear pessoas com seus nomes intitulando estas composições.
Aos 18 anos, Estevam deixava a sua terra natal transferindo-se para a então florescente vila de Bonfim de Feira, convidado pelo Sr. Godofredo Leite, influente pecuarista da região, para reger a Filarmônica Minerva. Lá ele tentaria obter o seu sustento com a música, o que não era nada fácil.
Em Bonfim de Feira, o maestro viveu durante sete anos entremeados de bons e maus momentos. Ali ele fez várias composições, dentre elas o dobrado "VERDE E BRANCO", numa fase de grande inspiração e de decepções, pois foi obrigado a vender várias composições a fim de sobreviver. É possível, portanto, se reconhecer o inconfundível estilo de Estevam em composições que levam o nome de outro que não ele. Foi também no Bonfim que ele conheceu e se apaixonou pela bela Regina Bastos de Carvalho, filha de tradicional família local e que viria a ser a sua grande inspiração. O romance foi bastante tumultuado e digno de texto de folhetim. Os pais e indignados irmãos de Regina jamais admitiriam que esta se unisse a um músico pobre e mulato. Daí vieram então ameaças veladas e explícitas. Diante, entretanto, da residência deste casal que não desistia e insistia neste romance, a radicalização de atitudes se configurou num exílio forçado de Regina que foi enviada temporariamente para uma fazenda de cacau no sul da Bahia, que pertencia a um parente, na esperança de que, com o tempo, esta viesse a se curar deste indesejado amor.
Em vão. No seu retorno, Regina caiu nos braços de Estevam e tudo se reiniciou. Daí, a situação se tornou mais tensa e as ameaças mais freqüentes. Estevam foi mantido quase em prisão domiciliar e antes que os fatos viessem a ter um desfecho trágico, um seu decidido e corajoso amigo, de Santo Estevão, o resgatou levando-o de volta a esta cidade. Um dia, após prévio acerto e na calada da noite, Regina fugiu com o seu amado que veio buscá-la montado a cavalo e levou-a para a fazenda de um outro amigo que os acobertou das perseguições que se seguiram. Este arroubo custou caro a Regina que ao final foi deserdada pela família.
Casaram-se em Santo Estevão em 1931 e no ano seguinte nasceu a sua primeira filha, Olga, justamente numa época de grandes dificuldades para toda região que foi assolada pela terrível sêca de 1932. O campo de trabalho para o artista deixou de existir e Estevam, pela segunda e última vez deixou sua terra, desta feita sobrecarregado pelos encargos de família. Foi reger a banda de Afonso Pena, hoje município de Conceição do Almeida, cidade localizada numa das poucas zonas poupadas pelo rigor da estiagem, de onde se transferiu definitivamente para Feira de Santana.
Estevam Moura era um homem de finas maneiras, culto, de fino trato e sensibilidade. Fazia questão de estar sempre impecavelmente bem vestido e elegante, notadamente quando regia a banda envergando vistosos uniformes. Exigia dos componentes a conservação do fardamento e do instrumental bem como a ordem e elegância nos desfiles, antes dos quais fazia rigorosa revista.
Ele tocava todos os instrumentos de sopro, embora tivesse predileção pela flauta. Em pouco tempo solidificou amizades com as pessoas mais influentes da região tornando-se popular e conceituado. Exerceu, enquanto aqui viveu, a regência da filarmônica "25 de março". Foi professor de Música e Canto Orfeônico no Colégio Santanópolis e, fato curioso, dedicou-se ao fabrico de palhetas para instrumentos musicais, feitas de bambu, numa época em que o metal estava muito escasso por ocasião da II Grande Guerra Mundial. Estas palhetas, de meticulosa fabricação artesanal, tiveram grande aceitação, muitas das quais foram exportadas para os EUA, e, auxiliado pela sua filha Olga, tentava a custo de muitas horas de sono, atender aos pedidos que vinham de todo país.
Embora dominasse os instrumentos de sopro, Estevam não escondia o desejo de aprender piano. Foi exatamente uma coincidência feliz que lhe proporcionou a realização daquele sonho. Regente da 25 de Março, ele foi residir na antiga rua Direita, hoje formalmente conhecida como rua Conselheiro Franco. Em frente à sede da Filarmônica Vitória, exatamente ao lado de sua casa, morava a não menos talentosa Georgina Erisman, compositora e pianista, autora do hino à Feira de Santana, da qual Estevam tornou-se grande amigo e aluno, chegando a com ela compor em parceria. Esta foi uma oportunidade de ampliar seus conhecimentos musicais e sua cultura geral, embora, como autodidata, já possuía o maestro vasto cabedal de conhecimentos, graças ao seu gosto pela boa leitura.
A primeira composição de Estevam Moura, de que se tem conhecimento, foi o "Dobrado para Alício Cerqueira", cujo título demonstra o carinho do maestro para com os seus amigos, comportamento esse que jamais se alterou durante toda a sua existência, pois Feira de Santana ele viria a dedicar outras composições a pessoas de sua amizade, a exemplo das peças: "Dobrado Arnold Silva", "Dobrado Irene Silva", este último em homenagem à esposa do seu amigo Joaltino Silva, além de "Tusca", esta talvez a sua mais complexa e elaborada composição, O dobrado "Tusca" foi dedicado ao seu filho, que tinha este apelido e se chamava Ernani, provavelmente uma referencia ao compositor modernista Ernani Braga. A propósito do Movimento Modernista, consta que Estevam durante muito tempo trocou cartas com o grande compositor Heitor Villa-Lobos, e, desta experiência, absorveu novos conhecimentos musicais. Numa época de escassez de informações, a Rádio Ministério da Educação que ele ouvia diariamente, lhe trouxe subsídios dos grandes compositores da música erudita para as suas composições. Diante disso, pode-se afirmar que Estevam foi um talento mal aproveitado. Pode-se confirmar isto por uma excursão que a Banda 25 de Março fez ao Rio de Janeiro, onde fez algumas apresentações, quando então ele foi convidado a lá permanecer e desenvolver a sua carreira musical. Mas os apelos de sua família fizeram com que em Feira ele permanecesse.
Vale citar o fato de que em 1978, a TV Globo promoveu um grande concurso musical de bandas filarmônicas, onde a 25 de Março se destacou apresentando composições de Estevam e que injustamente terminou em segundo lugar, quando então maestros de grande renome, como Edino Krieger, Marlos Nobre e Julio Medalha, que compunham a comissão de julgamento, teceram rasgados elogios às composições de Estevam, lamentando a sua morte precoce.
Outras composições famosas do maestro, além das já mencionadas, foram as marchas "Constelação" e "Magnata", e os dobrados "Presidente João Almeida", "Allah" e "Vida e Morte". Mas Estevam não se limitava a compor só marchas e dobrados. Fez também música sacra como tedeums e ave marias, fantasias, marchas carnavalescas e foxes como "Reveillon", "Sonho Azul" e outras. Compôs ainda o Hino do Congresso Eucarístico. Sabendo que não poderia sobreviver apenas da música, Estevam foi também funcionário da Guarda Municipal.
Estevam viveu muitas alegrias, festejado como artista e respeitado como cidadão. Faleceu muito cedo, em 1951, aos quarenta e três anos de idade, vítima de um tumor no estômago. No leito, sentindo a proximidade da morte, ele compôs o seu ultimo dobrado, "O Final".
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